#historia2 Minha Morte
Nesta história eu vou contar sobre a minha morte infantil.
Sim, eu já morri uma vez quando ainda era um bebê.
Na verdade não há muito o que contar. Pois pouco minha mãe me contou sobre isso, pelo trauma que a causou por um bom tempo. Acho que medo de me perder. Por isso se dedicou muito a mim e aprendeu a lidar com o medo e a confiar em Deus a minha vida.
E tudo passa!
O que sei de tudo isso é que eu tinha poucos dias de nascida. Mamãe me teve de parto totalmente natural e até sem a episiotomia. Foi um parto lindo e rápido. Ajudado pela minha tia, irmã de mamãe por parte de pai.
Não me esqueço da parte em que minha mãe sentia um pouco de cólica e foi para o hospital e minha tia falava a ela para fazer força pois eu já estava encaixada e saindo. E mamãe começou a forçar o pescoço. Foi quando titia disse que não força na garganta mas sim com a barriga (força de cocô).
E então o pouco que fez a força certa eu nasci.
A recuperação de mamãe foi maravilhosa, no mesmo dia já andava por tudo e sentia tudo normal, que conseguia fazer tudo. Creio que ela mal passou um dia no hospital. E então fomos para casa.
O interessante é que eu nasci morando num apartamento no centro de Curitiba. E hoje em 2021, desde 2011, eu moro no bairro centro da cidade. Sendo em 2014 a primeira vez que morei sozinha com o marido e as crianças num apartamento nosso. Depois de 2 anos mudamos para este que estamos agora; meu apartamento dos sonhos, agora há 4 anos.
Bem, mamãe sempre teve ajuda em casa desde que largou o interior para morar na Capital. Antigamente tinha muito essa coisa de trazer moças do interior para morar em nossas casas e trabalhar para nós como empregada doméstica. Uma vez por ano voltavam para visitar a família e passar uns dias. Algumas até preferiam não ir para não gastar e assim mandar mais dinheiro para a família. Me lembro de ter tido várias ajudantes em casa. Quando não dava certo, meus pais a levavam e traziam outra. Mão de obra barata e conveniente para todos.
Pois bem, eu nasci com uma ajudante sendo branca, e logo depois, ainda bebê, uma sendo negra. E é importante falar disso porque eu tenho curiosidades a respeito. Houveram algumas, além de ter tido vizinhos negros quando eu era criança. Eu sempre amei ter contato tão direto com a cultura negra. Eu me lembro de ter sentido muita vontade de ser negra também. E sempre achei que tenho sangue de uma negra correndo em minhas veias. Nunca gostei de ser muito branca, com o apelido de ‘gasparzinho’. Eu reparava como a pele negra era firme, como eram animados para falar gesticulando junto e risadas muito espalhafatosas. Eu sentia até uma certa “inveja”.
Minha mãe conta que a primeira vez que vi a nossa ajudante negra, quando de fato entendi que era uma pessoa com outro tom de cor de pele, eu ainda bebê tapava meus olhos com a coberta. Ela me dizia: - oi bebê, você está com vergonha?
Minha mãe confirmava que devia ser isso. Mas no fundo mamãe percebeu que foi porque eu nunca havia visto alguém negro antes.
Quando cheguei em casa pela primeira vez minha mãe tinha uma ajudante para tudo, que ajudaria a cuidar de mim. E minha mãe estava ótima, sempre muito ativa como sempre foi, ela fugia rapidamente entre uma mamada e outra. Ela sempre teve muito o que fazer.
Naquele dia, no dia desta história, eu tinha poucos dias de vida e mamãe resolveu me deixar para dar um pulo no salão cabeleireiro para fazer as unhas e se cuidar um pouco. Mamãe sempre foi muito vaidosa, e usava tudo combinando. Tinha muitos e muitos pares de sapatos, e altos, de todas as cores.
Pois bem, mamãe saiu e naquele dia não demorou muito, foi uma saída realmente rápida.
E a parte mais tensa da história acontece agora: a hora que mamãe chegou em casa e foi até meu berço.
Antes ela perguntou: - Francielly acordou? E a moça respondeu: - não senhora! - ela está dormindo desde que a senhora saiu.
E quando minha mãe olhou no berço tomou o maior susto de sua vida. Eu estava roxa! Não estava respirando! E toda gelada!
Rapidamente minha mãe me chacoalhou e me chamou pelo nome. Nada!
Então ela gritou à moça, enquanto me pegava no colo, e com o coração batendo em sua boca ela insistia: - querida você derrubou a Francielly? - pode me contar a verdade!
- qual foi a última vez que você a olhou no berço?
A moça respondeu: - há no máximo meia hora, dona Fátima! Ela estava normal!
E então aos prantos minha mãe começou a tentar me esquentar, chorando muito e me chamando pelo nome, ela teve a ideia de gritar pela vizinha (duas experientes senhorinhas que moravam na porta ao lado).
Não lembro o nome das senhoras, mas me lembro de ainda criança visitar uma delas antes de partir. Ela parecia gostar muito de mim.
Quando mamãe saiu desesperada, comigo no colo, chamando pelas vizinhas que logo abriram a porta e me pegaram perguntando o que havia acontecido... por nenhum momento elas tiraram a esperança de mamãe. Eram sábias e mulheres de fé.
Uma me tomou em seus braços enquanto a outra tentava acalmar mamãe. Elas diziam: - calma, fique calma Fátima, ela vai acordar.
Mamãe estava tão angustiada que não lembra dos detalhes ao certo, foi tudo muito rápido. Mas ela lembra de ficar tão mal que só conseguia pedir para Deus não me levar. E também chegou a pensar que precisava se conformar e que já era, precisava tomar coragem para chamar a ambulância ou me levar morta para o hospital mais próximo.
Do momento que aquela senhora saiu de perto de mamãe comigo, e dizia para ela se acalmar que colocaria um álcool em meus pézinhos, ela pedia a Deus misericórdia e que me permitisse viver.
Mamãe conta que foram minutos eternos. Ela, mãe de primeira viagem, não sabia o que fazer e nem como agir e tão pouco no que pensar.
Passando para a visão de mamãe, sai a senhora do quarto, comigo vermelhinha nos braços, e dizendo: - olha Fátima, ela acordou, viu?! - tá tudo bem!
Acho que minha mãe nunca havia sabido o que é sentir um alívio tão grande na vida. Como se todo o desespero do mundo se transformasse em alívio.
Ela já estava a ponto de desistir de me acordar, e os próximos minutos seriam realmente chamar a ambulância.
Meu pai não estava em casa pois trabalhava muito na relojoaria/joalheria que eles tinham. Minha mãe sempre estava lá também, ajudando, mas naqueles dias estava no resguardo do parto.
Agora olhando pela visão da senhorinha comigo no quarto, algum tempo depois contada à minha mãe.
Ela pegou um pouco de álcool na mão e começou a passar em meus pés (acho que era um método dos antigos) e ao mesmo tempo fazendo uma oração a Deus e pedindo pela minha vida.
Nessa época minha mãe não era evangélica, mas parece que as senhorinhas eram.
Conta ela que começou a massagear meu corpinho mole, roxo e gelado, e massagear forte meu coração, enquanto conversava com Deus. E que meu corpo foi enrijecendo e tomando vida... que eu fui ficando corada e menos fria... até que abri os olhinhos com muita dificuldade.
A senhora sentiu em meu peito quando o coração voltou a bater e tudo funcionar de novo.
A verdade é que elas decidiram nunca contar a ninguém, pois muito poucos acreditariam.
Elas ficaram sem entender, de fato, o que aconteceu. Mas todas tinham a certeza em mente de que eu estava realmente morta, sem explicação. Aliás nada nunca teve uma explicação realmente plausível. Teria sido um milagre? Uma síncope?
É possível que eu estivesse mesmo morta? É possível estar viva sem respirar, roxa e fria?
Nunca saberemos!
Minha mãe nunca quis me levar ao médico para tentar entender.
Eu voltei normal e sorridente!
Eu nunca tive problemas com o coração, mas sempre apresentei modificações cerebrais.
Pode ser que meu coração estivesse fraco demais para se conseguir sentir sem um instrumento adequado.
Não duvido que o fluxo sanguíneo cerebral tenha se alterado, e que a tal senhorinha tenha feito a reanimação corretamente.
Mas será?
Será que à partir desse dia eu tenha ganhado sequelas que logo mais me permitiu ter esses distúrbios mentais que apresento hoje?
Sem o fluxo sanguíneo no cérebro as células cerebrais começam a morrer em minutos. Se a reanimação for demorada demais todas as células morrem a ponto de não se valer mais a pena ser reanimado(a). E quanto mais tempo ficar assim mais forte são as sequelas.
Minha mãe conta que pelo menos uma meia hora eu fiquei assim. Mas se a moça havia me olhado meia hora atrás, é possível que eu tenha tido problemas com o fluxo sanguíneo poucos minutos antes de minha mãe me olhar no berço. O que teria dado tempo para tudo a ponto de ter dado tudo certo.
E até hoje eu me pergunto se seria possível esta alteração ter me ajudado de alguma forma?
Pois mesmo que décadas depois, eu me descobri com memória eidética (fotográfica) a tal ponto de colaborar com tudo que eu queria e precisava fazer. E após todos aqueles testes que cheguei a fazer, acho que a palavra até seria ‘corroborar’. Pois de alguma forma me fortaleceu.
Cada ser humano sendo único: com seus tecidos e traços internos formados uma única vez pela junção de duas únicas pessoas. Não há como saber como cada um de fato funciona.
Cada formação, cada junção e cada organismo.
Quero acreditar que tudo que formei em mim tenha de alguma forma contribuído.
Ter os distúrbios mentais, ter o desvio na bacia, não ter os caninos, não ter conseguido dormir normal por tanto tempo, ter sido considerada mais inteligente que o comum...
Sempre fui uma guerreira!
Eu sou uma sobrevivente-resiliente!
Desde o início da minha vida eu lutei para viver, ainda que nos momentos mais difíceis. Meu corpo sempre lutou para continuar bem e minha mente para continuar sã. Tantos processos e lutas. Tantas batalhas e experiências.
E hoje continuo aqui! Sempre tentando melhorar!
E sempre querendo acreditar nisso!
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